
Em
um país onde o desemprego é a realidade de aproximadamente 12,5 milhões
de brasileiros, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), a difícil missão de conseguir uma oportunidade
de trabalho pode ser ainda mais complicada para quem é negro e precisa
superar outra barreira além da crise econômica: o preconceito.
Vítima
desta situação, uma mulher de 41 anos, que trabalha como cuidadora de
idosos em Belo Horizonte, resolveu procurar a Polícia Civil no início
deste mês para denunciar um caso de preconceito explícito em uma
oportunidade de emprego na capital. A descrição exigia que as candidatas
não fossem “negras e gordas”.

A
vaga foi divulgada por meio de uma psicóloga que mantém uma lista de
transmissão com dezenas de profissionais cuidadores de idosos. A
oportunidade seria para trabalhar como folguista em uma das filiais da
“Home Angels” em BH, empresa referência no setor (veja o que diz a empresa abaixo).
A
empresa nega que tenha divulgado a vaga com a descrição racista e alega
que, na verdade, o texto teria sofrido alterações por parte da
psicóloga que divulgou a oportunidade em uma lista de transmissão. A
psicóloga diz, por sua vez, que não fez qualquer alteração na mensagem e
afirma que repassou a vaga “sem ler corretamente” e “sem o cuidado
necessário”.
O
caso ocorreu no dia 31 de outubro e a vítima, que preferiu não ser
identificada, procurou a polícia para registrar uma ocorrência no dia 1º
de novembro.
“Atualmente eu estou trabalhando, mas essas
oportunidades são divulgadas e muita gente pega para fazer freela e
aumentar a renda. Naquele momento, eu percebi que, caso eu tivesse
desempregada, eu continuaria sem trabalho, só por conta da minha cor. A
gente passa por muita coisa na vida, mas aquilo foi um absurdo”, disse a
mulher ao BHAZ.
A cuidadora de idosos faz parte de uma lista de transmissão criada pela psicóloga Fernanda Spadinger (confira a versão da profissional abaixo),
que oferece cursos e oportunidades de emprego para profissionais da
área. A mulher conta que se revoltou e ligou para Fernanda para
questionar a vaga.
“Eu disse tudo que eu estava sentindo e mostrei
como eu estava com meu coração dilacerado. Aquilo acabou comigo, fiquei
desesperada, chorando, pois é muito doloroso passar por isso”, relata.
Segundo
a vítima, na sequência, Fernanda teria se desculpado e oferecido um
acompanhamento psicológico a ela. Contudo, a vítima negou o atendimento e
garantiu que levará o caso à Justiça. “Como vou ter acompanhamento com
uma pessoa que causou uma situação dessas? Não tem jeito”, afirma a
mulher.
Empresa se defende
A reportagem
conversou com Taís Arantes, que é proprietária da “Home Angles BH
Centro-Sul”, empresa responsável pela vaga. A empresária afirma que a
vaga foi sim divulgada, mas sem os requisitos expostos na mensagem.
“A
nossa empresa está há 8 anos no mercado e repudia qualquer tipo de
discriminação vamos fazer uma nota para tirar essa história e fazer um
esclarecimento. A gente sempre divulga essas vagas porque fazemos
contratações de folguistas na empresa. Agora, não tinha essas
especificações, até porque eu preciso de todo tipo de funcionário porque
o meu tipo de cliente exige perfil de funcionário, então eu tenho que
ter o banco de dados diversificado”, diz Taís.
Segundo a proprietária, a psicóloga Fernanda Spadinger teria alterado a mensagem antes de encaminhar aos profissionais.
“Me espantei e fiquei super assustada com a forma como a Fernanda fez
essa divulgação, sendo psicóloga e tendo que trabalhar com isso. Sei que
ela dá cursos de cuidadores, faz o processo seletivo, presta serviços
com isso e precisa disso para sobreviver. Para ela ficou muito chato
essa situação”, conta.
A empresária diz ainda que ligou para a
psicóloga após a repercussão da denúncia. “Questionei e ela pediu mil
desculpas. Ela disse que iria assumir tudo que ela fez, que ela disparou
essa mensagem para uma lista de transmissão que ela tem, que é muito
grande”.
“Estamos tomando as devidas providências para não ter
problemas com o nome da empresa e da franquia. Isso não faz parte do
nosso lema e do que a gente prega. Não quero que a imagem da minha
empresa fique como sendo racista, tenho várias funcionárias negras, aqui
não tem disso não”, acrescenta Taís.
“Só queria empregar”
Fernanda
Spadinger, a psicóloga que encaminhou a vaga, também conversou com a
reportagem. Ela, que é dona da empresa “Leveza do afeto”, assume que tem
responsabilidade na divulgação da vaga com conteúdo preconceituoso, mas
alega que o texto foi enviado pela “Home Angels”.
“Recebi essa
mensagem de uma funcionária da Home Angels na quinta-feira, dia 31, no
fim da tarde. Ela dizendo que precisava das pessoas para o dia seguinte
para entrevistar. Eu não filtrei. Eu tenho minha responsabilidade, não
quero jogar tudo para cima da funcionária da empresa, preciso assumir a
minha responsabilidade. É óbvio que eu devia ter filtrado, devia ter
editado a mensagem e encaminhado de outra forma. Mas, na correria, sem
ler direito, sem filtrar, eu mandei. É obvio que eu estou errada e estou
respondendo por isso”, diz a psicóloga.
Ao BHAZ, Fernanda
encaminhou as mensagens que trocou com uma funcionária da empresa que
solicitou a divulgação da vaga. “Em minha defesa eu digo que minha
intenção era empregar 10 pessoas. Meu erro foi ter sido conivente com
uma empresa que tem essa postura. Em um mundo ideal, eu teria lido toda a
mensagem e me recusado a divulgar a vaga. Mas a minha intenção foi
empregar dez pessoas que fazem curso comigo e confiam em mim”, conta
Fernanda.


A
psicóloga garante ainda que mandou uma mensagem a todos os contatos,
inclusive à vítima que registrou a ocorrência, se desculpando pelo fato.
“Eu mandei mensagem me retratando dizendo que não é uma postura da
minha empresa, que estou aqui para formar e empregar. Era uma exigência
da empresa, eu errei, devia ter filtrado, é horrível. Eu devia ter tido a
crítica e me recusado a indicar para uma empresa que tem essa postura.
Mas a minha intenção era empregar essas pessoas”, finaliza a psicóloga.
