Baiano conta como, mesmo nascendo pobre e no interior, conseguiu se tornar um dos poucos diplomatas negros do país

Eu sempre tive o sonho de ser diplomata, mas como nasci negro, pobre e
no interior da Bahia, era um sonho que não dava para realizar.” A fala é
de Jackson Lima, que, hoje, aos 49 anos, após driblar preconceitos,
contrariar expectativas e trabalhar muito, se tornou o diplomata que
sempre quis ser.
Não foi por acaso, contudo, que o segundo-secretário da Embaixada do
Brasil na Nigéria chegou a considerar seu sonho impossível. O começo de
vida humilde parecia impedi-lo de seguir uma carreira comumente
associada a pessoas ricas, por exigir anos de estudo, conhecimento
aprofundado de política e economia mundial e fluência em ao menos três
idiomas.
Apesar dos obstáculos, o filho de professora e de carteiro, nascido
na pequena Santo Antônio de Jesus (BA), manteve vivo o sonho. Além da
força de vontade, contava com o apoio e a fé da mãe, Rosenita. “Ela
sempre me criou dizendo que eu tinha que ser o melhor da turma, senão
não conseguiria nada na vida. Ao mesmo tempo, ela falava que eu
conseguiria ser qualquer coisa que eu quisesse. Então, acho que
desenvolvi autoestima, acreditando que o sucesso seria consequência
direta da quantidade de esforço que eu implementasse nos meus sonhos”,
conta.
Com essa filosofia em mente, Jackson jamais abandonou os estudos,
mesmo quando precisou trabalhar como auxiliar de pedreiro. E conseguiu
se formar em letras-inglês pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Já
tinha ido longe, mas o desafio maior ainda estava por vir.
Receio e fé
Para se tornar diplomata, é preciso ser aprovado no concurso do
Instituto Rio Branco e, então, passar por dois anos de formação. A
seleção pública é considerada uma das mais difíceis do país. São entre
três e quatro fases e conta com uma média de 5 mil candidatos para 30
vagas. “É preciso ter recursos para financiar os estudos, sobretudo os
de línguas. São pouquíssimos negros no país com as condições
necessárias”, diz.
A primeira tentativa foi em 2006, quando Jackson morava no Rio de
Janeiro, cidade para a qual havia se mudado. Na primeira fase, apenas
300 dos 10 mil inscritos no concurso passaram. Jackson foi reprovado por
dois décimos. Ele fez nova tentativa em 2007, quando conseguiu vencer a
primeira e a segunda etapas, mas acabou reprovando na terceira, pelo
desempenho abaixo do exigido em economia. “Na segunda fase, fui o quinto
melhor do Brasil, mas reprovei na terceira. Naquele momento, me deu
muito medo, muita insegurança de não conseguir”, lembra. “Liguei para
minha mãe e ela disse para eu ficar estudando, não ir vê-la no Natal nem
no réveillon. Sempre acreditamos no esforço.”
Apesar da segunda reprovação, o bom desempenho ajudou Jackson a
receber uma ajuda essencial para enfim realizar seu sonho. Ele foi
aprovado no programa Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia, que
oferece R$ 25 mil por ano para candidatos negros e pardos custearem as
despesas com os estudos. “Eu consegui a bolsa e só por causa disso fui
capaz de me preparar”, lembra.
Com o auxílio, Jackson conseguiu chegar mais bem preparado para sua
terceira e bem-sucedida tentativa. Em agosto de 2008 mudava-se para
Brasília e iniciava o curso de formação. Dois anos mais tarde, já
diplomata, partia para uma missão no Zâmbia, onde ficou até o fim de
2012. Entre 2013 e 2016, o baiano passou nova temporada na capital
federal, no Departamento de África do Ministério de Relações Exteriores,
partindo para a Nigéria no ano seguinte. Hoje, com nove anos de
experiência e dois mestrados no currículo, está prestes a representar o
Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), nos Estados Unidos,
missão que assume em 2020.
Jackson tem orgulho do que alcançou, mas quer mais. Tem planos de
concluir mais um mestrado e partir, depois, para o primeiro doutorado.
“Pretendo continuar crescendo. Ter uma carreira acadêmica dentro da
diplomacia”, afirma. Outra vontade é ver mais diversidade no Itamaraty.
Quando concluiu o Rio Branco, somente 5% dos diplomatas eram negros.
Nove anos mais tarde, o índice aumentou, mas permanece abaixo de 10%.
Em 2014, o governo federal adotou uma nova política afirmativa,
passando a reservar 20% de cotas para negros no concurso para a
carreira. “Sem ações como essas, nunca conseguiremos passar de 10% de
negros no Itamaraty. E somos cerca de 50% da população”, ressalta.
Contribuição
Os números são reflexo da ampla desigualdade que persiste no país.
Embora pretos e pardos tenham hoje mais acesso à universidade, muitos se
veem obrigados a abandonar o curso antes de concluí-lo. “É uma
profissão para privilegiados. A maioria dos aprovados já morou fora.
Mas, ao menos, as bolsas e o programa de cotas permitiram alguma
democratização, aumentando as chances do universo de negros que consegue
ir à universidade”, avalia.
O diplomata sabe bem do que fala. Um de seus mestrados buscou,
justamente, comparar os métodos utilizados pelos Estados Unidos e pelo
Brasil para ampliar a representatividade étnica na carreira. “Eu vim do
programa de bolsas e queria dar uma contribuição para o Itamaraty e para
a academia brasileira no entendimento sobre essa realidade. Queria
entender melhor as razões pelas quais os negros não conseguem entrar na
diplomacia. E isso é importante, porque a gente é a cara do Brasil lá
fora”, explica.
Nos estudos, descobriu que, além da falta de acesso aos recursos
necessários para se preparar, os jovens negros encontram um outro
obstáculo: a autoestima. “A questão é de outro porte. Os negros ainda
não sonham nem acreditam que podem ser diplomatas”, observa. Por isso,
Jackson já deu várias palestras sobre sua trajetória. “Não para dizer
que eu superei, mas para mostrar que é possível ser diplomata.”
Possível e gratificante, garante. “Ser diplomata tem um lado duro.
Deixei minha mãe, irmãos, esposa, enteados… É um autoexílio, sobretudo
se você vem para um país como a Nigéria. Tem uma cota de sacrifício.
Viver afastado das pessoas, das músicas, da comida… Mas ao mesmo tempo é
muito bom representar o Brasil, fazer política externa, saber que está
sendo útil para a construção do país.”
Início em 2002
O programa existe desde 2002 e, de acordo com o Itamaraty, foram
investidos desde então mais de R$ 15,5 milhões em 677 bolsas a 403
candidatos negros. O auxílio é concedido àqueles candidatos que
apresentaram desempenho satisfatório nas primeiras etapas do concurso,
mas não tiveram a aprovação final.
Especial
A série Histórias de consciência presta homenagem a mulheres e homens
negros que ajudam a construir uma Brasília justa, tolerante e plural.
Todos os perfis deste especial e outras matérias sobre o tema podem ser
lidos no site Correio Braziliense.
(Correio Braziliense)