Um juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo copiou e colou uma sentença
para negar a prisão domiciliar a dois presos durante a pandemia do
coronavírus. O magistrado inclusive errou o nome, o número do documento e
a unidade prisional de um dos detentos na decisão, já que citou os
dados do outro.
Embora ambos os pedidos da defesa fossem baseados na Recomendação 62
do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que orientou os tribunais do país
a desencarcerar presos do grupo de risco para a Covid-19, os casos são
bastante distintos. Especialistas veem falha e um posicionamento
institucionalizado do TJSP em negar pedidos de soltura.
As duas decisões foram expedidas no mesmo dia, em 26 de março, pelo
juiz Josias Martins de Almeida Júnior, da Comarca da Bauru, no interior
do estado.
No primeiro caso, ele julgou os embargos declaratórios da defesa, que
já alegava omissão e contradição na decisão judicial anterior.
O pedido era de prisão domiciliar ou regime-aberto, já que o preso
havia cumprido um sexto da pena no semi-aberto dias antes, em 16 de
março, e portanto, poderia progredir de regime. Para isso, era preciso
um atestado de conduta carcerária expedido pelo diretor do presídio, o
CPP II [Centro de Progressão Penitenciária] de Bauru, que deu um prazo
de um mês para entrega. A defesa pediu que o juiz cobrasse o comprovante
em caráter de urgência, mas não foi atendida.
Preso desde setembro do ano passado, o homem, de 32 anos, foi
condenado a 3 anos e 8 meses por tráfico de drogas, após ser pego com 18
gramas de maconha, 8 gramas de cocaína e 6 gramas de crack. Ele também
tentou subornar o policial com os R$ 300 que tinha no bolso e foi
acusado de corrupção ativa.
No cárcere, contraiu tuberculose, ainda estava em tratamento, e,
portanto, era parte do grupo de risco para a Covid-19. O laudo médico
foi anexado aos autos. O presídio em que cumpria pena estava superlotado
–a unidade de Bauru tem déficit de 727 vagas. Os detalhes constam na
petição.
Na sentença, o juiz decide que o pedido é improcedente e afirma que a defesa não deu informações sobre a unidade prisional.
O magistrado reconhece que a resolução do CNJ visa garantir o
princípio da dignidade da pessoa humana e dar respostas à crise do
coronavírus, que é “grave e expepcional”.
Mas, argumenta, “como toda recomendação é um conselho, um aviso, ela
deve ser considerada não de forma automática, sem reflexão das
circunstâncias fáticas existentes, sob o risco de desvirtuar a real
intenção/objetivo do órgão que a criou”. Por isso, não seria uma “ordem
de soltura imediata”.
O CNJ lista uma série de pessoas que deveriam cumprir prisão
domiciliar durante a pandemia, como idosos, gestantes e pessoas com
doenças crônicas, imunossupressoras e respiratórias, principalmente os
casos de diabetes, tuberculose, doenças renais e HIV.
O magistrado fala em cautela e prudência já que as decisões podem ter
consequências “no tocante a saúde do próprio interessado, além dos
riscos para a sociedade em geral”.
“No caso dos autos, o requerimento é genérico e não se demonstrou
qualquer situação concreta na unidade em que o sentenciado se encontra, a
justificar a aplicação de medidas excepcionais de abrandamento do rigor
penitenciário”, afirma o juiz.
“Lembro a existência de políticas públicas de âmbito nacional
especificas de enfrentamento da crise, inclusive, no sistema prisional.
[…] No caso dos autos, ainda que se desconsiderasse tal circunstância,
não há nada a demonstrar situação excepcional na unidade em que o
sentenciado se encontra”, escreveu Almeida Júnior.
Os parágrafos acima e outros 12 são repetidos da negativa de prisão
domiciliar de outro preso, este da Penitenciária II de Balbinos, também
no interior paulista –é o nome deste que consta no fim das duas
sentenças.
A segunda petição é bastante genérica, diferentemente da primeira que
tem 15 páginas de argumentação. Pede, em poucas linhas, que o preso
deixe o semi-aberto e vá para prisão domiciliar, baseado na recomendação
do CNJ.
O primeiro sentenciado deixou a prisão em abril, após conseguir o
documento para progressão de regime e a defesa entrar com novo pedido na
Justiça. Já o segundo, preso em 2018 por tráfico de drogas, segue
cumprindo pena no cárcere.
A primeira morte no sistema penitenciário paulista foi no dia 19 de
abril. Em junho, uma inspeção do Núcleo Especializado de Situação
Carcerária da Defensoria Pública mostrou que um terço dos presos na
penitenciária masculina de Sorocaba foi diagnosticado com coronavírus.
Eles continuavam nas mesmas celas com os que testaram negativo.
Bahia Notícias