Ao buscar por vida for a da Terra, cientistas costumam “seguir a água”. Um dos melhores lugares para se fazer isso pode ser o polo sul de Marte, onde nova pesquisa revela que – embaixo de quase dois quilômetros de gelo – vários pequenas lagos parecem margear um lago maior.


“Temos aqui não apenas um ocasional corpo de água, mas um sistema”, disse Elena Pettinelli, pesquisadora da universidade italiana Roma Tre e co-autora do estudo publicado hoje na Nature Astronomy.


Em 2018, cientistas anunciaram a descoberta de um grande lago subglacial, que seria um corpo de água salgada com cerca de 19 quilômetros de largura. Agora, novas observações feitas pela mesma equipe identificaram outros bolsões de água, menores que o primeiro, na mesma região. Esses depósitos salgados – talvez vestígios de um antigo oceano – poderiam ser oásis onde a vida floresceria.


“O sistema provavelmente já existia há muito tempo, quando o planeta era muito diferente, e isso talvez seja o resto disso”, diz Pettinelli.


Mas nem todos que estudam Marte estão convencidos de que os bolsões contêm água líquida. Essa interpretação, dizem alguns cientistas, é inconsistente com outras observações na mesma região. Na verdade, os bolsões podem ser apenas poças de lama úmida, e não piscinas marcianas. Cientistas também não sabem ao certo com a água poderia se manter líquida em uma área onde a temperatura poucas vezes é mais quente que -100ºC.


“Na melhor das hipóteses, poças de lama, talvez?”, escreveu por e-mail Jack Holt, da Universidade do Arizona, que estuda Marte utilizando técnicas similares. “Não estou certo de como compreender isso.”


Em busca de lagos marcianos


Mais de uma década atrás, Pettinelli e seus colegas voltaram a atenção para a região de Marte conhecida como Camadas de Depósitos do Polo Sul, onde observações de radar revelaram áreas brilhantes e refletivas embaixo dos glaciares congelados.


“Não estávamos buscando por água”, diz ela. “Estávamos procurando por coisas brilhantes e tentando entender do que se tratavam.“


Para ver embaixo do gelo, a equipe apontou em direção aos depósitos um radar chamado Marsis, que fica a bordo da espaçonave Mars Express, da Agência Espacial Europeia. Marsis envia ondas de rádio ao terreno marciano, que viaja pelas camadas superficiais até alcançarem uma mudança na densidade ou composição, quando são refletidas de volta à espaçonave. Ao decifrar os padrões refletidos pelas ondas de rádio, cientistas podem deduzir o que há embaixo da superfície do planeta, seja líquido, rochoso ou lamacento.


Dados coletados de 2012 a 2015 primeiro indicaram que um grande lago salgado poderia estar escondido sob a região chamada Ultimi Scopuli. Em Marte, esses sais são tão alienígenas quanto o planeta – em vez do familiar cloreto de sódio, eles são percloratos tóxicos, derivados da superfície avermelhada do planeta. Com base em 29 observações, a equipe determinou que o lago mede cerca de 19 quilômetros de largura. Mas alguns cientistas estavam céticos, mesmo os da equipe que fez a descoberta, e hesitaram confirmar que o lago era líquido, e não lamacento.


“Nós não podemos escolher entre um ou outro”, disse uma vez Pettinelli. “Nós não temos informação suficiente para dizer se isso é um lago ou sedimento saturado, como um aquífero.”


Agora, 105 novas observações, coletadas entre 2015 e 2019 encobrindo uma área maior, reforçou as detecções originais. Pettinelli e seus colegas também processaram os novos dados usando técnicas normalmente usadas para buscar lagos embaixo de camadas de gelo nos polos da Terra. Além de retornar evidências de que o reservatório era de água, os dados apontaram pelo menos três pequenos bolsões nas margens, separados por solo seco.


A equipe está confiante de que o reservatório maior é composto de água salgada, mas, segundo Pettinelli, esses bolsões menores podem muito bem ser sedimentos encharcados – um ambiente onde a vida ainda poderia existir.


“Eu concordo com os autores de que a explicação mais plausível para as observações da Marsis é a presença de um corpo de água líquida localizado, rodeado por corpos menores de água líquida ou fragmentos de sedimentos saturados com água”, escreveu Steve Clifford, do Instituto de Ciência Planetária, em e-mail.


Água desaparecida de Marte


Apesar da água líquida ser abundante na Terra e em luas geladas do Sistema Solar Externo, ela é surpreendentemente difícil de se encontrar em Marte. Mas seus vestígios encobrem toda a superfície do planeta – na forma de leitos de rio, deltas e marcas de antigas praias. Por isso, cientistas sabem que Marte era um mundo mais úmido do que o planeta que vemos hoje – talvez até temperado e hospitaleiro.


As exatas condições climáticas desse antigo mundo ainda são tema de debates. Mas está claro que o clima do planeta mudou ao longo da história, e Marte passou de um mundo com água ao planeta ressecado que conhecemos hoje. Agora, cientistas se perguntam: para onde foi toda essa água?


Parte dela está presa em calotas palores – depósitos permanentes de gelo que retraem e expandem de acordo com as estações. Essas calotas, que brilham muito em observações por telescópio, há anos são objetos de estudo de cientistas que tentam entender melhor os registros históricos que podem estar preservados nas camadas acumuladas.


As imagens brilhantes refletidas sob as calotas polares podem dar dicas dessa história. Mesmo assim, alguns especialistas em Marte questionam a verdadeira natureza da matéria embaixo dos glaciares.


Um mistério sob o gelo


Holt diz que os novos dados são mais convincentes que a detecção original – mas ele ainda não tem certeza de que a equipe os interpretou corretamente. Outro instrumento instalado na Sonda Orbital de Reconhecimento de Marte não conseguiu detectar os mesmos pontos brilhantes. Talvez isso ocorra porque, como o radar da sonda opera em frequências diferentes, é possível que ele não consiga chegar até a base dos depósitos, mas um lago é um refletor tão grande que, mesmo assim, deveria ser detectado, diz ele. A interpretação também é inconsistente com outras observações da Marsis em regiões próximas, onde bolsões brilhantes parecidos se estendem até a borda das camadas de gelo. Até agora, diz Holt, ninguém explicou o que são esses bolsões – mas água salmoura enterrada certamente não é a resposta, porque se fossem, a salmoura nessas áreas vazaria até a superfície.


“Se aplicamos a lógica deles, veríamos fontes ao longo das margens [das geleiras]”, diz ele. “Obviamente, isso não foi observado.”


Visto que não há água salgada vazando pelas margens das camadas de gelo, Holt oferece uma forma de solucionar o mistério do suposto lago subterrâneo: aplicar as mesmas técnicas analíticas em um conjunto mais amplo de dados que incluam outras áreas contendo reflexões brilhantes. Ele também aponta que a permissividade dielétrica observada no líquido – uma medida, determinada por radar, da capacidade de suportar cargas elétricas – é baixa demais para água salgada.


“Se houvesse um lago, ou muito líquido, o valor seria muito mais alto do que eles enxergam”, diz ele. E até se existe alguma explicação para essas medições que envolvesse água, “você tem que explicar a persistência de salmoura sob essas condições.”


Água em ambiente hostil?


Gelo não derrete facilmente nos frios polos marcianos. Na superfície, temperaturas ficam em torno de -170°C, e mesmo que sejam um pouco mais amenas que embaixo do gelo, provavelmente está longe de ser quente o suficiente para manter a água líquida.


“Bem frio, não é um lugar legal”, diz Pettinelli.


Em 2019, depois de considerar a descoberta inicial da equipe, uma dupla de cientistas sugeriu que atividades magmáticas recentes poderiam ter criado um ponto de calor embaixo do polo sul. Talvez, disseram, uma câmara de magma recente se abriu e está produzindo calor o suficiente para esquentar a frígida região a ponto de permitir a existência de água salgada líquida. Mas, na ausência de uma fonte de calor subterrânea, é difícil dar conta da presença de água.


“Estou cuidadosamente otimista de que é água líquida”, escreveu por e-mail Ali Bramson, co-autora do estudo e pesquisadora da Universidade de Purdue. “Meu receio é, em grande parte, relacionado às temperaturas extremamente frias de lá.”


Pettinelli e sua equipe argumentam que basear-se em atividades vulcânicas recentes para explicar os bolsões líquidos requer um conjunto improvável de circunstâncias. Em vez disso, eles sugerem que a composição química da salmoura de Marte poderia manter a água líquida em baixas temperaturas. Isso pode ser verdadeiro, diz Bramson, mas cientistas ainda não sabem se a composição química e as condições em Marte poderiam criar e manter salmoura líquida.


“Estou convencido de que algo estranho está ocorrendo nesse local que causa um pico nos reflexos”, diz Bramson. “Certamente, se há alguma solução salgada estranha e congelante na base da calota polar, isso é muito legal.”


Talvez, diz Clifford, as novas observações poderiam explicar o destino do oceano perdido de Marte. “À medida que o clima antigo de Marte esfriou, um oceano teria congelado e eventualmente sublimado”, ou seja, evaporou sem antes derreter, diz Clifford. Uma vez na atmosfera, o vapor d’água teria sido transportado e depois depositado como gelo nos polos mais frios do planeta. Clifford observa que as calotas polares eram maiores, assim como o fluxo de calor do planeta, o que quer dizer que a água próxima da base da calota derreteria gradualmente e vazaria até à camada abaixo da superfície.


Ao longo do tempo, o oceano desaparecido teria se transformado em aquíferos ou permafrost. Os bolsões de água salgada que ainda sobrevivem hoje seriam os últimos restos desse processo – e um lugar protegido da perigosa radiação, onde, em bilhões de anos, a vida poderia ter encontrado um lugar para prosperar.


“Obviamente é empolgante se é água líquida”, diz Bramson. “Acredito que todos nós queremos que seja água líquida.”


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