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  • O veneno produzido por uma aranha brasileira inspirou um grupo de cientistas para uma investigação a novas formas de cura do cancro. A molécula sintetizada foi testada com bons resultados em células cancerígenas, mas ainda está longe de poder ser uma arma no combate à doença que mata milhões por ano no Mundo.

    O veneno da “Vitalius wacketi”, uma aranha que habita o litoral de São Paulo, no Brasil, pode ser uma das novas armas da esperança da luta contra o cancro. Cientistas do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Butantan, daquela metrópole brasileira, conseguiram isolar uma molécula, posteriormente purificada e sintetizada num composto químico, que se mostrou promissora no combate a células cancerígenas, nomeadamente da leucemia, um tipo de tumor que afeta algumas células sanguíneas.

    Os estudos ainda estão numa fase preliminar, longe de se saber sequer se esta molécula poderá um dia vir a ser utilizada na luta contra o cancro. É preciso experimentar o composto em mais células e cobaias, antes de avançar para começar os testes clínicos em seres humanos, mas nos testes em laboratório, o composto mostrou resultados "importantes". Segundo os investigadores, mata as células cancerígenas por um processo chamado apoptose, mais seguro que a necrose que ocorre mos tratamentos oncológicos atuais.

    "Quando ocorre a necrose, a célula sofre um colapso, o que gera uma reação inflamatória com efeitos no organismo. Já a apoptose, ou a morte programada das células, é um processo muito mais limpo”, explica o investigador do Hospital Israelita Albert Einstein, Thomaz Rocha e Silva, responsável pelos testes de ação antitumoral desta molécula. Com este processo, “a célula tumoral sinaliza o sistema imunitário que está a morrer, para que ele remova posteriormente os fragmentos celulares”, acrescentou, em declarações à BBC. “É como se as implodisse de forma controlada.”

    Existem outras estratégias no mercado capazes de induzir apoptose em células cancerígenas, como os anticorpos monoclonais, por exemplo. São tecnologias que exigem grande investimento e precisam de mais tempo de produção, que chegaram ao conhecimento público durante a pandemia de SARS-CoV2, ao serem autorizados no tratamento de doentes com forma leve ou moderada de covid-19 mas com alto risco de progredir para formas graves da doença.

    Processo começou há 30 anos numa expedição às florestas do litoral paulista


    Segundo Thomaz Silva, esta nova molécula é pequena e o processo de síntese é simples e mais barato que os anticorpos monoclonais. “Outra vantagem é que, devido ao baixo peso molecular, é muito menos provável que haja problema de imunogenicidade – quando uma substância estranha entra no organismo provoca uma reação do sistema imunitário”, completa Pedro Ismael da Silva Junior, do Laboratório de Toxinologia Aplicada do Butantan, e outro dos cientistas que participaram nesta investigação, que começou à cerca de 30 anos, numa floresta do litoral de São Paulo.

    Outro membro dessas expedições era o aracnólogo Rogério Bertani, também do Butantan, que fez estudos e reclassificações taxonómicas da “Vitalius wacketi” e outras aranhas da década de 1990 em diante. No início dos anos 2000, o bioquímico Thomaz Rocha e Silva estava a terminar a formação académica e resolveu investigar as possíveis atividades farmacológicas de algumas substâncias encontradas no veneno das espécies de aranhas encontradas naquelas expedições.

    "Alguns dos aracnídeos surgiram há 300 ou 350 milhões de anos, e os trabalhos mostram que eles mudaram muito pouco desde então", argumenta Pedro Silva Junior. "Para sobreviver a esses milhões de anos, certamente desenvolveram estratégias para protegê-los das ameaças de ambientes inóspitos", acrescentou o investigador do Butantan.

    "Ao estudar aranhas do género Vitalius, encontramos no veneno uma atividade neuromuscular. Fomos atrás da toxina responsável por esse efeito, que era uma poliamina grande e instável", lembra Thomaz Silva. A investigação foi publicada em jornais académicos, mas não gerou interesse comercial e o projeto ficou esquecido, até que um aluno daquele bioquímico do Hospital Einstein quis estudar  o potencial citotóxico daqueles venenos.

    Os cientistas fizeram um painel de testes e análises às toxinas encontradas em várias aranhas. "Vimos que uma toxina encontrada na Vitalius wacketi possuía uma poliamina pequena e com uma atividade bastante interessante", recordou o bioquímico. A molécula na origem desta esperança está presente em micro-organismos, em plantas e animais.

    Instituições registam patentes e procuram parceiros para desenvolver molécula

    A molécula foi isolada e purificada por Thomas Silva e, depois, Pedro Silva Junior conseguiu sintetizá-la - criou uma versão química idêntica, sem a necessidade de a extrar diretamente da aranha. Após os resultados promissores, as equipas de inovação daquelas instituições apressam-se a pedir patentes e a garantir a propriedade intelectual da substância.

    A gerente de parcerias e operações do Health Innovation Techcenter do Einstein, Denise Rahal, explica que a patente se aplica ao processo de purificação e sintetização e não com a molécula em si. “Não posso patentear algo que já existe na natureza, como é o caso do veneno da aranha ou das toxinas presentes nele. Mas a síntese, o processo de obtenção dessa molécula, é um produto que foi desenvolvido a partir dessas pesquisas”, explicou.

    Cristiano Gonçalves, gerente de Inovação do Butantan, adianta que aquelas instituições estão em contacto com outros parceiros para licenciar a tecnologia e seguir com a investigação. "O Einstein e o Butantan não têm capacidade de produção da molécula, sequer para gerar o material necessário para os testes clínicos de fase 1", diz.

    Do ponto de vista científico, os especialistas desejam começar análises que vão desvendar o mecanismo de ação da poliamina. Querem perceber a forma exata como age para matar as células cancerígenas. A substância também precisa ser testada em cobaias, para avaliar a eficácia e a segurança em organismos mais complexos do que um conjunto de células como aquele em que foi testada em laboratório.

    Se os testes tiverem sucesso, o projeto evolui para a chamada fase clínica, dividida em três etapas diferentes. O objetivo é estudar como os seres humanos reagem à substância e se realmente pode funcionar como um tratamento contra o cancro.  Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o cancro é a segunda maior causa de morte no mundo, sendo responsável por cerca de 9,6 milhões de mortos anualmente, em todo o Mundo. (Jornal Notícias).

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