
Criar um parceiro ideal, com aparência, personalidade, profissão e até fetiches definidos, deixou de ser coisa de ficção científica. Plataformas como a Romantic AI oferecem exatamente isso: companhias virtuais personalizáveis com quem é possível flertar, conversar, pedir conselhos e até desabafar.
A proposta, que ganha força em datas como o Dia dos Namorados, é vista por muitos como conforto emocional sem julgamentos — mas especialistas alertam para os riscos da substituição dos vínculos humanos por relações simuladas.
Para a psicóloga Ana Luísa Nunes, especialista em relacionamento e sexualidade, o fenômeno revela um sintoma profundo da sociedade contemporânea: a busca por laços sem atrito. “O simples fato de ser humana me torna mais apta a compreender a dor do outro”, diz ela.
Segundo Ana, a ilusão de acolhimento proporcionada pela IA pode banalizar o sofrimento psíquico e reforçar padrões emocionais disfuncionais, além de ignorar contextos fundamentais como raça, classe e gênero.
Na Romantic AI, o usuário define cada detalhe do “parceiro”: nome, idade, corpo, profissão, gostos, personalidade e preferências sexuais. A plataforma, que simula um aplicativo de namoro, oferece créditos gratuitos para as primeiras mensagens — mas logo passa a cobrar por pacotes para continuar a interação.
Os avatares virtuais sempre respondem com compreensão, carinho e falas calculadamente envolventes. Não há brigas, recusas ou contradições. O resultado é uma relação “perfeita”, mas inteiramente irreal.
“A busca por um parceiro que não frustra é uma tentativa de fuga do humano”, explica Ana Luísa. “As pessoas querem relações que não as desafiem. Mas relações reais são desafiadoras por natureza.”
O filósofo Fábio Donaire compartilha da mesma crítica. Para ele, amar uma IA programada sob medida é, na prática, amar a si mesmo. Sem alteridade — isto é, sem um outro com vontade própria —, o amor se torna um espelho narcísico.
“A vida atual promove uma positividade tóxica, em que qualquer conflito é visto como fracasso. Mas sem atrito, sem erro, não há crescimento, nem empatia, nem amor verdadeiro”, afirma, citando o pensador Byung-Chul Han.
Além da questão emocional, há uma preocupação social: a solidão, já reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma epidemia global, pode se aprofundar com o uso indiscriminado dessas tecnologias. Ao procurar na IA uma solução para o isolamento, o risco é romper ainda mais os laços com a vida real — e com as imperfeições que nos tornam humanos.