A morte da bancária Selma Regina Vieira, 42 anos, em Salvador, é citada pelo movimento feminista da Bahia como exemplo tanto de morosidade da polícia quanto de impunidade de um feminicídio.

A investigação aponta que ela foi espancada em apartamento de luxo do marido, o tabelião Eden Marcio Lima de Almeida, na avenida Paralela. A bancária morreu em decorrência de traumatismo craniano em um hospital da capital baiana, em 13 de abril de 2019.

Os suspeitos do crime, o marido e a amante dele, a estudante Anna Carolina Lacerda, de 22 anos, foram denunciados por feminicídio pelo Ministério Público em novembro de 2020. O promotor que atua junto ao Tribunal do Júri de Salvador, David Gallo, pediu a prisão preventiva dos suspeitos. A Justiça ainda não se manifestou e Eden e Anna respondem ao processo em liberdade.

A lentidão das investigações no caso Selma não é caso isolado. Na Bahia, segundo levantamento da Secretaria de Segurança Pública, a maioria dos suspeitos dos 100 feminicídios ocorridos no estado durante o ano passado continua solta.

Os familiares de Selma dizem que policiais da Delegacia do 12º Distrito, no bairro de Itapuã, tentaram abafar o caso. "Os policiais ameaçavam prender a gente por calúnia. As testemunhas eram amedrontadas, diziam que Feira da Santana [cidade na qual Eden morava com a mulher e é dono de um cartório] era uma terra perigosa", afirmou ao UOL Maristela Vieira, prima da vítima.

O UOL não conseguiu manter contato com o advogado de Eden, Paulo Pimentel. Em sua defesa e em entrevista à imprensa da Bahia, Pimentel disse que não tem fundamento a tese defendida pela promotoria de que teria havido um crime premeditado.

Para advogado, Selma, que, segundo ele, vivia o triângulo amoroso de forma consensual, saiu livremente do apartamento, o que provaria a inocência de seu cliente. Em um vídeo distribuído à imprensa, a estudante Anna disse "que amava Selma" e que por isso não a teria matado.

Investigação só andou quando mudou de delegacia, diz promotor

A tentativa de a polícia abafar o caso também é citada na denúncia do promotor Gallo, que solicitou a transferência das investigações para a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

O promotor afirma que Eden conta com uma rede de proteção na polícia, que o teria ajudado a sumir com as provas. "Só quando chegou na DPHP, o caso começou a andar. Há provas claras de que houve o caso de feminicídio", afirma o promotor.

A possível interferência nas investigações também foi condenada pela seccional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na Bahia. "Que a morte de Selma Regina Vieira da Silva Almeida seja devidamente apurada, garantindo-se o seu devido trâmite processual, livre de quaisquer interferências e imparcial à privilegiada posição socioeconômica dos sujeitos denunciados. Manifestamos, assim, nosso repúdio e exigimos a célere, imparcial e justa apuração dos atos de violência sofridos pela vítima para que, ao final, identificados os responsáveis, sejam devidamente punidos", disse a OAB, em nota.

A atuação dos policiais da Delegacia de Itapuã está sob investigação da Corregedoria da Polícia Civil, por solicitação do Ministério Público.

Triângulo amoroso

Gallo escreveu na denúncia que Selma vivia um triângulo amoroso com o marido e a amante dele. O casal vivia junto havia 22 anos e tinha duas filhas. "Ela só fazia isso porque era obrigada. Era uma pessoa submissa e tinha medo de perder a guarda para o marido, que era uma pessoa muito influente e rica", afirmou a prima da vítima.

De acordo com a denúncia do promotor, no dia do crime a vítima e os dois suspeitos teriam ido a uma festa onde beberam álcool e usaram droga. Ao retornar para o apartamento do casal, em Salvador, Selma, após uma discussão, teria sido espancada pelos suspeitos na cabeça e em outras partes do corpo. Ainda de acordo com a denúncia, mesmo ferida Selma conseguiu sair com seu carro.

Pelo celular, ela teria sido orientada por familiares a estacionar o carro em um posto de gasolina. Após uma solicitação dos frentistas, a bancária foi socorrida por uma ambulância e encaminhada ao hospital.

"A polícia não queria fazer autópsia Só aceitou fazer sob o argumento de que a Selma teria cometido suicídio. Só fizeram por insistência de meu irmão, que também é policial", disse a prima da vítima.

Bahia: 100 feminicídios em 2020

De 1º de janeiro a 30 de novembro de 2020, ocorreram 100 feminicídios e 87 tentativas de feminicídio na Bahia, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Não está incluído no levantamento o assassinato da estilista Tatiana Fonseca pelo ex-namorado, João Pereira Martins, em Salvador, no dia 5 de dezembro. Ela foi morta a tiros ao sair de casa para passear com o cachorro. Momentos depois, João cometeu suicídio em seu apartamento.

Segundo Marília Moreira, gerente de projetos na Bahia do Instituto AzMina, a maioria das vítimas não contava com medidas preventivas, previstas na Lei Maria da Penha. "Pelo fato de os agressores serem companheiros ou parentes, as vítimas não gostam de envolver a polícia", disse.

A Bahia também mereceu destaque em outra pesquisa sobre feminicídio feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com o levantamento, de janeiro a agosto do ano passado ocorreram 49 feminicídios na Bahia. O estado só ficou atrás de São Paulo, que registrou 79 casos, e Minas Gerais, com 64 casos.

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