“Essa arma verdadeiramente única vai aumentar o potencial de combate
de nossas Forças Armadas, garantindo de forma confiável a segurança da
Rússia contra ameaças externas e fará aquele que, no calor da retórica
agressiva tentam ameaçar nosso país, pensar duas vezes”, disse ele em
conversa com autoridades do Ministério da Defesa televisionada.
O teste vem em meio ao início da batalha do Donbass, pelo controle da
região russófona do leste da Ucrânia, quase dois meses após o início da
guerra. No período, Putin sofreu reveses ao patrocinar um ataque amplo,
mas descoordenado em várias frentes e com poucas forças concentradas,
não logrando cercar Kiev.
Teve mais sucesso no sul e no leste, onde foca agora suas forças, mas
a reputação das Forças Armadas russas, que passaram por grande
modernização tática e de equipamento desde o quase fiasco na vitória
sobre a Geórgia em 2008, está bastante arranhada.
Além de críticas no exterior, há o crescente apoio militar dado pelo
Ocidente a Kiev, que já ajudou a evitar uma derrota de saída na guerra.
As chamadas linhas vermelhas para não trazer os russos para um conflito
com a Otan, como o fornecimento de baterias antiaéreas, vão sendo
testadas semana a semana.
Com isso, sempre sobra no baralho o coringa nuclear. Analistas e
políticos especulam se Putin poderia usar uma arma de baixa potência,
tática, contra algum alvo ucraniano ou mesmo numa demonstração de força
sobre os mares Negro ou Báltico, em caso de a sua situação militar se
deteriorar.
O recado com o Sarmat é outro, contudo. É um lembrete de que a Rússia
é a maior potência nuclear do mundo, ao lado dos Estados Unidos, com
ambos somando cerca de 90% das ogivas atômicas do mundo.
Putin tem usado essa retórica desde as vésperas da invasão, em 24 de
fevereiro. Cinco dias antes, testou suas forças nucleares e disparou
mísseis hipersônicos, balísticos intermediários e um RS-24 Iars, modelo
intercontinental que já está em operação, de um submarino no Ártico.
No dia do ataques, ameaçou forças estrangeiras que interviessem no
confronto com retaliação única na histórica, ou seja, nuclear. E logo
depois do início da guerra, colocou suas forças nucleares de prontidão,
gerando alarme no Ocidente. Entre os que veem apenas blefes e os
realmente preocupados, há uma saudável mistura das duas avaliações.
Aqui e ali, políticos falam no tema quando especulam que a guerra
possa transbordar. O próprio presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski,
citou o eventual uso de armas nucleares por parte de Putin. A Terceira
Guerra Mundial, fora de moda como ameaça desde o fim da Guerra Fria em
1991, voltou à ordem do dia.
O Sarmat foi lançado do cosmódromo de Plesetsk, perto da fronteira da
Finlândia, e voou por cerca de 6.000 km até atingir o campo de provas
de Kura, na península de Kamtchatka, no Pacífico. Ele vem sendo
desenvolvido desde 2009 e começou a passar por testes de ignição e
lançamento em 2018.
O míssil, batizado em homenagem ao antigo império eurasiano da
Sarmácia, é um monstro de 208 toneladas estimadas, com 35,5 m de
comprimento. É capaz, segundo analistas, de levar talvez 15 ogivas
nucleares a alvos até 18 mil km distantes, ou um número incerto de
planadores hipersônicos Avangard, já em operação com mísseis mais
antigos.
Em 2019, o governo russo fez vazar a informação de que o Sarmat
poderia fazer um voo suborbital de 35 mil km, algo inédito e que
garantiria literalmente cobertura global total a partir de silos na
Rússia. Segundo o Ministério da Defesa, já há um regimento para ser
armado com o míssil em preparação em Krasnoiarsk, na Sibéria, talvez até
o fim do ano se os testes correrem bem.
O Sarmat é uma das “armas invencíveis” anunciadas por Putin em 2018,
chamando menos atenção do que os sistemas hipersônicos Kinjal, já usado
na Ucrânia, e Avangard, por se tratar da evolução de uma tecnologia
conhecida.
Quando estiver operacional, contudo, será uma das armas mais temíveis no mercado. Diferentemente de bombas táticas com poucas dezenas de quilotons (Hiroshima tinha 15 kt), ele teoricamente pode levar qualquer coisa desde várias ogivas com centenas de quilotons ou poucas na casa do megaton, armamento estratégico para cenários apocalípticos. (BN)