Samuel Klein, fundador das Casas Bahia, teria usado seu poder para manter um esquema de aliciamento de crianças e adolescentes para a prática de exploração sexual por décadas Divulgação
Morto em 2014, o fundador da rede varejista Casas Bahia, Samuel Klein, pode ter usado seu poder para manter um esquema de aliciamento de crianças e adolescentes para a prática de exploração sexual por décadas.

Além do “rei do varejo”, como era conhecido, seu filho Saul Klein é investigado por aliciamento e estupro de mais de 30 mulheres.

As acusações foram reveladas pela Agência Pública, que conversou com mais de 35 pessoas –entre elas advogados, ex-funcionários da Casas Bahia e mulheres que dizem ter sido vítimas dos abusos. A íntegra da reportagem pode ser lida aqui.

A reportagem teve acesso a processos judiciais e inquéritos policiais. Ainda, a documentos, fotos, vídeos de festas com conotação sexual.

As evidências reunidas pela Agência Pública mostram que, pelo menos de 1989 a 2010, Samuel Klein teria sustentado uma rotina de exploração sexual de meninas entre 9 e 17 anos. Os abusos teriam sido cometidos na sede da Casas Bahia, em São Caetano do Sul (SP), e em imóveis localizados na Baixada Santista e em Angra dos Reis (RJ).

Samuel teria organizado um esquema para recrutar e transportar as meninas para os imóveis, onde eram realizadas festas. Em alguns casos, essas reuniões contavam com a participação de funcionários da empresa.

Além do dinheiro e produtos, algumas meninas ganhavam cestas básicas para ajudar no sustento de suas famílias.

Uma das mulheres ouvidas pela Agência Pública é Karina Lopes Carvalhal, hoje com 40 anos. Ela conta que, em 1989, quando tinha 9 anos, ouviu dizer que um empresário de sua cidade, São Caetano do Sul, dava dinheiro e presentes a menores de idade que fossem à sede da empresa. Ela queria um par de tênis, mas não tinha condição de comprar.

“Minha irmã tinha me dito: ‘Ká, não se assuste porque ele vai te dar um beijinho’. Mas ele me cumprimentou e já passou a mão nos meus peitos. Ele dizia: ‘Ah, que moça bonita. Muito linda’”, contou ela à reportagem.

Ela saiu de lá com dinheiro e o par de tênis. Funcionários ouvidos pela reportagem confirmaram que eram frequentes os pagamentos em dinheiro e produtos às chamadas “samuquetes”, apelido dado as “meninas do Samuel”.

Karina contou que, na época, não tinha noção de que era vítima de abuso. “A gente ficava contente que tinha ganhado um tênis”, disse.

Na segunda visita de Karina, Samuel a teria levado para um quarto anexo ao seu escritório. Segundo ela, foi ali que foi violentada sexualmente pela primeira vez aos 9 anos.

A exploração sexual exercida por Samuel, de acordo com Karina, durou até meados dos anos 2000.

O empresário teria conseguido abafar os crimes por meio de acordos judiciais com as denunciantes que buscaram indenizações depois de adultas. Esses acordos estão atualmente arquivados sob sigilo.

Ele ainda teria se beneficiado da lentidão da Justiça em ao menos 3 inquéritos criminais que apuravam crimes dessa natureza. Segundo a Agência Pública, Samuel se esquivou de citações judiciais, sem que fossem tomadas medidas mais enfáticas pela polícia.

A reportagem consultou 7 processos cíveis e criminais em Samuel é acusado por abusos sexuais e teve acesso a 4 processos de outras mulheres que disseram ser vítimas e pedem indenização por danos morais. Além desses, a Agência Pública revelou mais 8, arquivados em sigilo, com alegações de abusos sexuais contra Samuel Klein.

Os relatos sobre as explorações praticadas pelo “rei do varejo” mostram semelhanças com as práticas de Saul Klein. Ele é investigado pelo MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) por aliciamento e estupro de dezenas de mulheres.

Uma ex-gerente da rede varejista, identificada na reportagem como Josilene (nome fictício) contou que tanto pai como filho usavam o caixa das lojas para os pagamentos. Josilene trabalhou na loja da Casas Bahia na Vila Diva, zona leste de São Paulo, de 2005 a 2008.

“De manhã tocava o telefone: ‘Aqui é da parte do dr. Samuel ou do dr. Saul, e precisa separar tanto pro final do dia’. Então a gente ia no caixa, conversava, e as caixas iam separando o que entrava em dinheiro. E no final as meninas passavam e retiravam os valores”, disse.

“Eram meninas de diversas regiões. As que vinham lá eram umas 3 ou 4 por semana, na faixa aí dos 16, 17 anos. Eram menores.”

Em 2010, a empresa foi condenada em diversas ações trabalhistas. Em 7 delas, os funcionários pediram indenização por danos morais em razão de situações vexatórias vividas no trabalho. Segundo eles, eram obrigados a pagar mulheres que, geralmente, traziam bilhetes escritos por Samuel ordenando pagamentos em dinheiro e em produtos.

A assessoria da família Klein se manifestou por meio de nota. Eis a íntegra:

“É com enorme tristeza que a família Klein tomou conhecimento da publicação de matéria sobre Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, falecido em 2014. Imigrante polonês, judeu e sobrevivente do Holocausto, ele sempre ensinou que é preciso muito trabalho e coragem para enfrentar os desafios da vida. É uma pena que ele não esteja vivo para se defender das acusações mencionadas. Sobre os dois processos em andamento, correm em segredo de Justiça e as decisões serão acatadas.”

Publicação em destaque

TELECOM PROVIDER - INTERNET CAMPEÃ